Leitura que vale à pena!!!!!
Introdução
O amor pela literatura fantástica me fez iniciar esta jornada para buscar no meio de paisagens épicas, personagens cativantes, conflitos de ideais e finais felizes a essência da matriz motora do agir humano: os valores éticos. Para tanto, nada menos apropriado do que tomar como base o maior clássico fantástico já produzido pela mente humana: “O Senhor dos Anéis”, de John Ronald Reuel Tolkien.
Escrito entre os anos de 1937 e 1949, esta obra nasceu devido ao grande sucesso editorial de “O Hobbit” e o desejo de se seus fiéis leitores por conhecerem mais sobre a peculiar vida das pequenas criaturas que viviam em buracos confortáveis no chão, os hobbits. Tolkien se depara então no desafio de emplacar mais um sucesso literário; no entanto, também tinha o desejo de continuar a explorar o mundo e as criaturas criadas em seu livro “The Book of Lost Tales”, que mais tarde viria a ser o “Silmarillon”. O Senhor dos Anéis surge então como síntese entre essas duas grandes linhas literárias de Tolkien, o talento nato em criar contos de fadas e sua busca por criar uma nova verdade mitológica no imaginário do folclore britânico (KLAUTAU, 2006).
Tolkien então continua a linha temporal de seu livro anterior apresentando-nos o novo protagonista de sua história: Frodo Bolseiro. Ele, juntamente com o mago Gandalf, seus companheiros hobbits Sam, Merry, e Pippin e outros personagens como elfos, anões e homens se juntam para defender os povos livres da Terra Média contra o poder do Senhor do Escuro, Sauron. Para vencê-lo, Frodo precisará enfrentar uma longa jornada rumo a Mordor para destruir o Um Anel antes que ele caia nas mãos de Sauron. Jornada essa que se divide em 6 livros (divididos em três volumes editorais: A Sociedade do Anel, As Duas Torres e o Retorno do Rei) que contam com diversos personagens secundários interessantes, descrições de paisagens épicas e uma mensagem de fé, temperança, honra e coragem.
O resultado desse esforço de mais de uma década foi uma obra que arrebata gerações, traz um significado moral que atravessa o tempo e sempre propõe ao leitor algo novo toda vez que ele reencontra a obra. Na verdade o que faz uma obra clássica, segundo Calvino (1993), é quando o livro “nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”, pelo contrário, sempre dará ao leitor uma mensagem nova de acordo com a evolução do próprio leitor. A obra de Tolkien faz com excelência esta tarefa, para cada um que a lê, seja o infante curioso ou o adulto que procura uma distração dos problemas da realidade, ele trará uma mensagem poderosa a eles e ao mesmo tempo diversa. Isto é o que o próprio autor conceitua como aplicabilidade da obra literária.
O que buscaremos então será encontrar estas diversas aplicabilidades no contexto ético do ser humano através de uma análise do comportamento dos hobbits, da opressão do Um Anel, das relações entre os povos livres da Terra Média e do final feliz nos Portos Cinzentos do Golfo de Lhûn[1]. Espera-se que até o final desta jornada todos os preconceitos e barreiras que permeiam as obras de fantasia possam ser superados e que elas possam ser vistas não somente como contos bobos para crianças inocentes, mas como uma imagem verossímil do mundo em que vivemos.
1. O autor e a aplicabilidade de sua obra
John Ronald Reuel Tolkien nasceu em 3 de janeiro de 1892 na África do Sul mas era filho de pais ingleses. Lutou na I Guerra Mundial logo após ter completado seus estudos na Universidade de Oxford onde mais tarde se tornaria professor de línguas e faria amizade com grandes notáveis daquela época como C. S. Lewis. Tolkien era fascinado por línguas antigas que deram origem ao inglês, em especial o anglo-saxão. Sempre as estudava com o interesse também de analisar a mitologia própria da formação da sociedade do norte da Europa. Foi neste contexto que Tolkien passou a criar línguas próprias onde podia aplicar seus estudos linguísticos na elaboração de vocabulários inéditos. A Terra Média e seus povos surgem então como pano de fundo para essa paixão de Tolkien. Ele não criou as línguas para diversas raças, na verdade criou raças que se identificassem com suas línguas.
Depois do sucesso da publicação do Senhor dos Anéis, muitas cartas chegaram até Tolkien (que sempre se propusera a responder todas elas) questionando-o a respeito do significado da jornada de Frodo, da importância do papel de Gollum[2], ou da representação feita pelo autor durante certos eventos que se passam na história. Em uma de suas cartas, Tolkien diz que nunca teve a pretensão de colocar qualquer tipo de alegoria moral, política ou contemporânea em seu trabalho. E continua dizendo que sua obra é na realidade
(...) um “conto de fadas”, mas um escrito – de acordo com a convicção que certa vez exprimi em um extenso ensaio chamado On fairy-stories que eles são a audiência apropriada – para adultos. Porque eu acredito que contos de fadas têm sua própria forma de refletir a verdade, diferentemente de alegoria, ou (sustentada) sátira, ou realismo, e em certos aspectos mais poderosa. Mas antes de tudo deve proceder apenas como um conto, excitar, deleitar, e em alguma ocasião comover, e internamente a seu próprio mundo imaginário, estar de acordo (literariamente) ao seu propósito. Ser bem sucedido nisso era o meu objetivo primário. (TOLKIEN In. Carpenter, 2006, p. 388)
A partir desse relato, compreendemos então que o objetivo principal do autor era simplesmente escrever uma obra literária que entretece o leitor de forma a fazer com que haja uma relação de identificação entre os personagens e aqueles que estão lendo. Para tanto, é inegável que o autor, para prender a pessoa na leitura, deverá usar de valores, situações e ensinamentos que aproximem a realidade do leitor com a realidade da Terra Média. Estas ferramentas virão inevitavelmente da bagagem ética e das experiências externas que o autor carrega. Isso então seria o motivo para a presença de diversas interpretações da obra Tolkeniana.
É importante, então, traçarmos uma breve distinção entre alegorias, que são as representações de indivíduos ou valores concretos em uma obra, e aplicabilidade, que seria o uso das experiências e conhecimentos intelectuais e morais do leitor para criar uma relação entre ele e a obra bem como para criar um sentido para ela em sua vida. No próprio prefácio do livro, o autor demonstra sua preferência por histórias inventadas pelo fato de preferir a aplicabilidade das histórias, por julgar que elas se baseiam na liberdade do leitor, enquanto as alegorias são uma ferramenta de dominação proposital do autor (2002a, p. XIII).
Nosso estudo se propõe, por conseguinte, a utilizar destes atributos da aplicabilidade para desvendarmos a riqueza ética de diversos eventos e personagens relatados durante a Saga do Anel. Tomando essa proposta, descobriremos a importância das obras de fantasia na construção de mitos e experiências e valores importantes na formação do ser pensante.
2. Os hobbits
“In a hole in the ground there lived a hobbit” (TOLKIEN, 2012). Assim o autor começa a descrever uma das criaturas mais intrigantes e virtuosas de toda a literatura. São seres que amam acima de tudo a paz e tranquilidade, sempre dispostos a colher o que vem da terra e cultivar a arte da erva-de-fumo. O que mais cativa os leitores até hoje sobre os hobbits é a sua animosidade para seus próximos e sua força de vontade para superar qualquer desafio. O próprio Tolkien se considerava um hobbit, e a partir disso colocou nos personagens de Bilbo e Frodo Bolseiro[3] um conjunto de valores cristãos próprios que dão vida à idoneidade e coragem dos personagens.
Ives Gandra Filho (2009), jurista e tolkeniano, declara que há uma proximidade considerável entre o comportamento dos hobbits e a ética eudemonológica preconizada por Aristóteles em “Ética a Nicômaco”. Isto se justifica devido às repetidas ações virtuosas dos hobbits ao exercerem atos de coragem, amabilidade, temperança, etc. Logo, ao levarem esse modo de vida, conseguem alcançar a plenitude que viria a ser definida por Aristóteles como a felicidade natural (apud. GRANDA FILHO, 2009)
Por conseguinte, chegamos a notar que o caráter dos dois hobbits protagonistas da história, Frodo e Sam, são um ícone fidedigno da carga filosófica grega a respeito da ética das virtudes e o equilíbrio entre o excesso e carência que leva a felicidade.
Pode-se dizer que a ação maior de Frodo foi aceitar a carregar o Anel e toda sua carga corruptiva para destruí-lo e livrar a Terra-Média do grande Mal. Frodo não objetivava receber recompensa alguma por aquele ato, não tinha a mentalidade dos homens mortais que objetivavam a glória, ou ainda, não pretendia conquistar os maios altos postos de poder como pretendiam os Altos Elfos. Ele simplesmente encarou a jornada por se dar conta de que aquela era sua missão e de mais ninguém, através de sua coragem e nobreza ele procurou livrar do mal aqueles que amava. Seu ato de vontade altruísta tinha como bem a destruição do mal, que tinha como fim a liberdade dos Povos Livres da Terra-Média.
Em diversas passagens do livro, porém, a integridade moral de nossos protagonistas é posta a prova por diversas adversidades, personagens de má índole e principalmente pelo Anel. No capítulo I do Livro VI, por exemplo, há um episódio onde Sam se encontra longe da companhia de Frodo, procurando forças para continuar sua caminhada à procura de seu mestre desaparecido, foi aí que de repente:
Seu pensamento voltou-se para o Anel, mas ali não havia consolo, só terror e perigo. (...) seu poder crescia e ficava mais cruel, não podendo ser controlado a não ser que houvesse alguma vontade poderosa. (...) O Anel já o tentava, devorando sua vontade e raciocínio. Fantasias loucas despertavam, e ele via Samwise, o Forte, Herói do seu Tempo, caminhando a passos largos com uma espada flamejante através da terra escurecida, e exércitos se arrebanhando a um chamado seu, no momento em que marchava para derrotar Barad-dûr. (...) Ele só tinha de colocar o Anel e reivindicar sua posse, e tudo isso podia acontecer. (TOLKIEN, 2002c, p. 171)
Sam nesse momento tem sua retidão moral comprometida quando é tentado a tomar o anel para si e abusar de seu poder. Tolkien, como bom católico que era, retrata nessa passagem um conflito entre a virtude de viver bem e retamente, tendo seus princípios éticos resguardados, contra os anseios materialistas que buscam sanar uma adversidade. Além da afinidade com a ética aristotélica de se alcançar a felicidade, percebemos que os comportamentos éticos dos hobbits também assumem um caráter cristão ao expor a virtude como caminho para se alcançar a plenitude na figura de Deus mesmo sabendo que adversidades e aflições estarão pelo caminho (KLAUTAU, 2007). Tolkien procurou, portanto, mostrar que a simplicidade e a humildade daquelas pequenas criaturas era tanta, comparada a outros povos, que o Anel não conseguia corrompê-los. Essa valorização da humildade é consequência clara da máxima cristã que “felizes são os humildes, pois alcançaram o reino dos céus”. O “reino dos céus” (fim almejado pela virtude na concepção de Santo Agostinho) no caso da história seria o fim da opressão do Mal, que levaria a felicidade.
O livro aponta ainda outro fator que contribui a resignação dos hobbits às tentações do Anel: O simples fato de serem hobbits! Por serem pequenos em relação a outras raças, eles não se julgam capazes de deter qualquer tipo de poder ou objeto material que exceda as suas necessidades básicas. Para superar o episódio citado, Sam usou como arma o fato de que “sabia em seu coração que não era grande o suficiente para carregar tal fardo, mesmo que aquelas visões não fossem uma mera ilusão para atraiçoá-lo.” (TOLKIEN, 2002, p. 171).
3. O anel
A origem da mitologia de Tolkien em torno do Um Anel teve uma gênese bem diversa da carga maligna e imperativa que o Anel assume em “O Senhor dos Anéis”. Em “O Hobbit”, Tolkien narra Bilbo encontrando um anel no meio da escuridão das Montanhas Nebulosas que pertencia à criatura que vivia isolada naquele local, Gollum. Mais tarde, Bilbo descobriria que o anel mágico tornaria aquele que o usasse invisível, então ele foi de grande ajuda para Bilbo em sua jornada. Fica claro então que o anel era apenas um dos diversos elementos mágicos descritos em “O Hobbit”; porém, em seu posterior trabalho, Tolkien procurou criar uma nova simbologia em torno desse objeto e o inseriu como um dos elementos principais da mitologia da Terra Média.
De antemão, Tolkien escreve nas primeiras páginas do “Senhor dos Anéis” um pequeno poema que revela o verdadeiro motivo existencial do Um Anel.
Três Anéis para os Reis-Elfos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para os Homens Mortais, fadados ao eterno sono,
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono
Na terra de Mordor onde as sombras se deitam.
Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los,
Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam
(Tolkien, 2002a, p. 52)
O livro nos conta que Sauron, o Senhor do Escuro, propõe uma aliança com os povos livres da Terra-Média e para simbolizar isto oferece a eles anéis que representam essa aliança. No entanto, ele forja secretamente um anel que tem o poder de dominar todos os outros, de forma que Sauron o usasse para conquistar a Terra Média. No entanto, seu plano é frustrado devido à resistência dos outros povos e seu Anel cai no esquecimento, retornando a expressar seu poder séculos depois, quando Bilbo o encontra e o deixa como herança para Frodo.
Dando-nos este contexto conflituoso, Tolkien já delineia a representação pura do Mal na figura do Um Anel e do poder de sedução que ele exerce sobre as raças. Através dessa simbologia, o autor trabalhará seus conceitos cristãos de livre-arbítrio, pecado original e das forças do Mal nesse plano de fundo fantástico.
Antes de nos aprofundarmos mais na abordagem cristã sobre a representatividade do Anel, façamos aqui uma analogia entre o poder dele sobre a moral dos homens e hobbits e da história de Giges narrada em “A República” de Platão. No livro, Glauco dialoga com Sócrates a fim de comprovar sua tese de que a justiça é mera convenção social onde os seres humanos agem justamente porque são observados o tempo todo. Para exemplificar seu discurso, Glauco conta a história de Giges, pastor que descobre dentro da terra um anel capaz de deixá-lo invisível; com este poder, ele passa a agir de maneira onde faria o que bem entendesse e alcançaria tudo o que cobiçasse. Glauco então termina dizendo que
Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, (...). Comportando-se desta maneira, os seus atos em nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo caminho. E disto se poderá afirmar que é uma grande prova, de que ninguém é justo por sua vontade, mas forçado, por entender que a justiça não é um bem para si, individualmente, uma vez que, quando cada um julga que lhe é possível cometer injustiças, comete-as. (2001, p. 47.)
Tolkien, ao descrever a conduta de Bilbo em “O Hobbit” de ter sido misericordioso quando ameaçado por Gollum e ao mostrar o quanto Frodo foi perseverante em não sucumbir a tentação do Anel, se contrapõe de maneira categórica a Glauco ao revelar nos hobbits que, mesmo possuindo o poder de desvirtuar sua conduta visando fins egoístas, eles continuaram íntegros. Klautau coloca que essa atitude dos hobbits, principalmente durante a jornada de Frodo, em utilizar-se do livre arbítrio de escolher entre aquilo que é justo ou injusto desafia “a capacidade de sedução e corrupção que assenta a propagação de Sauron” (2006, p. 4).
Percebe-se então que Tolkien se apropria da representatividade do anel de Giges como ferramenta de desvirtuamento dos indivíduos, mas insere nessa simbologia o fator do controle que suprime o livre-arbítrio daqueles que são tentados pelo anel de Sauron. Outro aspecto acerca do poder dominador do Anel é o anseio em que os homens buscam por formas de alcançar o poder a todo custo, muitas vezes abrem mão até mesmo de sua autonomia moral para tanto. Como bom católico que era, Tolkien buscou reforçar a capacidade do indivíduo em utilizar de seu livre arbítrio para não desejar o poder controlador representado na figura do Anel. Pode-se dizer, como conclusão, que o Anel é de fato a materialização do desejo humano em possuir reconhecimento e poder dos seus semelhantes e da noção católica de Mal que procura levar a humanidade a enveredar por caminhos tortuosos. Levando em conta a época em que o autor vivia, muitos foram os homens contemporâneos a ele que objetivavam as maiores honras mesmo tendo que abrir mão dos valores éticos, do seu senso de justiça e daquilo que Tolkien julgava ser o Bem.
4. Os povos livres da terra-média
Passemos agora a uma breve análise dos valores éticos e da importância da construção de diversas raças no “Senhor dos Anéis”. Tolkien se apropriou de diversos seres mitológicos da cultura nórdica e inseriu-os todos juntos em uma terra que inspira ares medievais e procurou dar a elas características bem singulares uma das outras. Entre essas singularidades estão as diferentes línguas criadas pelo próprio autor, que possuem características morfológicas e ortográficas bem diversas uma das outras[4], suas formas de organização socioeconômica, suas aspirações e fraquezas, entre outros aspectos. Tolkien se preocupou também em dar importância sobre os valores e ambições que cada povo carrega; logo, pode-se dizer que cada valor humano, bom ou ruim, está inserido em uma daquelas raças. Entre esses povos os mais emblemáticos, além dos hobbits, estão os elfos, os anões e os homens.
Há na Terra Média seres imortais, que amam a natureza, danças, músicas e reverenciam seus Deuses. Estes são os Elfos. Povo que encontrou na Terra-Média um refúgio, mas sabem que o seu lugar é em uma terra distante, longe de guerras e destruição. Mesmo sendo imortais e puramente racionais, não ousam desafiar o poder do Anel por possuírem um certo sentido de auto-preservação. Na narrativa do “Senhor dos Anéis”, enquanto os homens lutam pela sua terra, os elfos fogem para as terras do Oeste.
Os anões são seres de baixa estatura que vivem embaixo da terra sempre em busca de riquezas. São criaturas avarentas por natureza, são ligadas aos bens materiais que possuem e só lutaram contra o Senhor do Escuro quando sua terra foi ameaçada.
Enquanto aos homens, Tolkien enfatiza a honra e desejo por poder que eles possuem. É dito que, pelo fato de serem mortais, procuram cultivar o máximo de reconhecimento que puderem, para poderem ser lembrados na posteridade. Aqui o autor descreve os seres humanos de maneira mais crua possível. Os coloca como seres que têm consciência de que são perecíveis, portanto procuram viver da maneira mais intensa possível. Essa maneira de viver reflete em seus feitos grandiosos, suas grandes cidades e muitas vezes a crueldade com que tratam seus iguais. Mesmo tendo uma tendência a escolher não o que é certo, mas o que lhes é mais conveniente; logo, são seres facilmente corruptíveis. Isso se explicita pelo fato de Sauron dominar os temidos espectros do Anel que são nove reis homens que buscaram o poder do Anel e só conseguiram aprisionamento.
5. Os portos cinzentos
Toda jornada tem um fim, e na história de Tolkien não é diferente. Na fé cristã, o fim é a eternidade. Toda nossa retidão ética nos levará a uma recompensa eterna, assim é a ética cristã que prega que as nossas bem-aventuranças (atos de integridade moral) nos levarão não à felicidade natural, mas a uma felicidade eterna. Gandra Filho (2009) conclui que através das ações nobres de Frodo e Sam no decorrer da narrativa, levaram com que eles tivessem o direito de contemplar a vida eterna rumo ao Oeste. O Mal não os venceu, portanto sua moral permaneceu inabalada, provando que criaturas aparentemente desprezíveis como hobbits podem mudar o rumo da história.
Ao colocar estas criaturas em posição de honra, Tolkien recorre mais uma vez a um ensinamento bíblico que diz na carta de Paulo aos Coríntios que Deus escolhe as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. O resultado disso, foi a recompensa de poder alcançar a vida eterna. Para tanto, Frodo e Sam, juntamente com Bilbo e Gandalf, partem para os Portos Cinzentos para tomar a embarcação rumo às terras imortais do Oeste. Nesse desfecho, o autor faz uma pura e bela analogia da morte, onde aqueles que vencem o Mal serão recompensados com a vida eterna e o Bem prevalecerá.
Conclusão
Reunindo seu entendimento sobre a Ética Aristotélica, ensinamentos bíblicos, mitologia nórdica e sua sincera vontade contar uma boa história, J. R. R. Tolkien criou um clássico para todos aqueles que procuram se aventurar em uma terra que fascina pelos seus personagens, prende o leitor pelas descrições de belas paisagens e emociona pelo prevalecimento do Bem sobre o Mal. “O Senhor dos Anéis” é uma obra que ficará para a posteridade como o grande marco da literatura que juntou recursos literários extraordinários como profundos ensinamentos morais que não se limitam somente para aqueles que acreditam que de fato há uma recompensa no fim de tudo. Mas possui grande valor também para todos que procuram enfrentar da melhor maneira possível essa jornada chamada vida.
Fonte: JusBrasil