O direito à água, ainda que não referido explicitamente na Carta Internacional de Direitos Humanos, está relacionado ao próprio direito à vida. Como imaginar a efetivação do direito de toda pessoa “a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar”, previsto no artigo 25 da Declaração de Direitos Humanos (1948), sem garantir-lhe o acesso à água potável?
Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas, ainda que tardiamente, reconheceu, por meio da Resolução A/RES/64/292, de 28 de julho de 2010, que o direito à água potável e ao saneamento é um direito humano essencial para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos, e impôs aos Estados, no texto da Observação Geral nº 15 (2002), o dever de realização progressiva desse direito (art. 19), incluindo a obrigação de seu reconhecimento nos ordenamentos jurídicos nacionais (art. 27).
O Brasil, não obstante ter votado a favor da Resolução, ainda não incluiu o direito de acesso à água potável no catálogo específico dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988 (arts. 5º a 17). A perspectiva de inclusão do direito se aproxima, ainda que a passos lentos, tendo em vista que tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 39/2007 sobre o tema, que já conta com aprovação da Comissão de Constituição e Justiça desde 2014.
No âmbito da legislação infraconstitucional, a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/97, trouxe elementos inovadores, comparados à legislação até então vigente – o Código de Águas de 1934. A lei estabeleceu um novo paradigma, ao prever a gestão integrada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos em todos os níveis territoriais da administração, além de expressar uma grande mudança no tocante aos usos múltiplos da água, às prioridades desses usos, ao seu valor econômico, à sua finitude e à participação popular na sua gestão.
Contudo, desconsiderando o prisma da água como direito humano, internacionalmente reconhecido, além de não trazer previsão sobre um direito fundamental à água, a Lei nº 9.433/97 estabeleceu que a prioridade do uso para o consumo humano se dará apenas na hipótese de escassez.
A situação de escassez enfrentada desde 2012 por algumas regiões do país, em especial a Região Sudeste, devido à raridade do evento, trouxe a lume as discussões sobre o modelo atual de gestão dos recursos hídricos, particularmente no que se refere à capacidade de superação, ou, ao menos, de minimização dos efeitos da crise.
A despeito da grande disponibilidade hídrica existente no Brasil, esses recursos não se encontram igualmente distribuídos no país. Há regiões com metade da oferta de água existente em outras, mas com maior população e maior número de usuários de recursos hídricos, gerando áreas com maior vulnerabilidade quanto à oferta de água. A busca de alternativas para atender às demandas por água, evitar conflitos pelo uso e prevenir ou minimizar os desastres naturais ocasionados pelos eventos climáticos críticos passa, necessariamente, pela eficiente gestão dos recursos hídricos.
Um modelo ideal de gestão dos recursos hídricos, de acordo com a ONU, em um mundo sustentável, considera primordialmente o bem-estar humano e a integridade dos ecossistemas, devendo a água ser disponibilizada de forma suficiente e segura para atender as necessidades básicas de todas as pessoas, e facilmente garantida por meio de serviços de abastecimento e saneamento confiáveis e acessíveis.
O modelo brasileiro, apesar dos avanços, pode implementar melhorias, iniciando por positivar o direito humano à água na Constituição Federal, como forma de realizar o direito fundamental à vida (art. 5º, caput), o direito social à saúde (art. 6º, caput) e a dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. 1º, III).
Fonte: JusBrasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário